segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Eutanásia

Temos que encarar a verdade sombria de que a eutanásia é uma questão de dom e não uma questão de decreto, confrontamo-nos com facto paradoxal de a existência da sociedade esta dependente de tangíveis regras de ordem, aos quais só se pode aspirar, o que excede o outro em grandeza, isto é, o que é maior do que outro. Diz-se da regra segundo a qual, quando tem de escolher entre várias opções, a preferida é aquela que é preferida pelo maior número. A linha de argumentação que está em causa não é salvar mas melhorar a sociedade, desde que se mantenha certos coeficientes de respeito pela dignidade humana. Deste modo a sociedade assume a responsabilidade pelos cuidados médicos, a investigação, a terceira idade e muitíssimas outras coisas que não pertenciam ao domínio público e que se transformaram em deveres para com a sociedade.
Todos aqueles que se posicionam contra a eutanásia consideram inadmissível a morte de seres Humanos somente para que estes não constituam um peso para os familiares, ou mesmo para melhorar as condições económicas. Encaram tais argumentos como uma manifestação de totalitarismo e comparam o sacrifício do indivíduo em favor de outros, como o que aconteceu durante o regime nazi.
Verifico que os principais defensores da eutanásia tendem a dar como exemplos os doentes terminais inconscientes. A intenção deste grupo social parece assim ultrapassar a eutanásia com consentimento ou pedido expresso do doente.
Muitos consideram que a eutanásia pode ser apropriada em certos casos particulares mas discordam com a legalização generalizada. Receia-se igualmente que a eutanásia se possa tornar selectiva, ocorrendo muito mais frequente entre os fracos e pobres da sociedade, os mais velhos e deficientes.
Por autonomia ou autodeterminação, entendo que o direito do indivíduo sobre a sua própria vida. Nesta perspectiva, cada pessoa, cujas capacidades cognitivas estejam conservadas, é livre para usar o seu corpo como bem entender, inclusive para acabar com a própria vida. Quando, por motivo de doença, tal não é possível pelos próprios meios, coloca-se então a hipótese do suicídio medicamente assistido ou eutanásia.
A actuação médica é movida por dois grandes princípios morais: a preservação da vida e o alívio do sofrimento. Estes dois princípios complementam-se na maior parte das vezes. Entretanto, em determinadas situações pode-se tornar antagónico, devendo prevalecer um sobre o outro. Se for estabelecido como princípio básico o de optar-se sempre pela preservação da vida, independentemente da situação, poder-se-á, talvez, negar a finitude da vida por um determinado tempo. Mas, desde logo é sabido pelo médico, que existe um momento da evolução da doença em que a morte torna-se num desfecho, ou seja os médicos acompanham os doentes e depois deixam-nos à porta da morte, não vão até ao fim. Peter singer na sua Ética Prática demonstra que a moderna tecnologia médica nos força a tomar decisões de vida ou de morte, em circunstâncias de doentes que estão em extremo sofrimento em que são os próprios familiares a acabar com esse sofrimento.
A preocupação de muitos, com a prática de uma eutanásia activa que poderia colocar nas mãos dos governos meios para liquidar os seus adversários, os governos sem escrúpulos tem meios mais eficazes do que a eutanásia administrada por médicos, baseada em questões médicas. As propostas de legalizar a eutanásia assentam no respeito pela autonomia e no objectivo de evitar o sofrimento desnecessário, esta diferença é bem contrária os objectivos da “eutanásia” nazi.
Se a lei fosse alterada e os actos de eutanásia praticados por médicos, não se pode dizer que a propensão se alastra-se descontroladamente, os médicos tem um poder considerável sobre a vida e a morte, porque podem suspender os tratamentos. Com a eutanásia legalizada poderia muito bem limitar o poder dos médicos visto que poderia trazer a luz a sujeira daquilo que alguns fazem por iniciativa pessoal e em sigilo e poderia proporcionar um fundamento mais firme de muitas mortes injustificáveis.
Tal como dizia Nietzsche no Zaratustra: “Morre a tempo (…) Que no momento de morrer o vosso espírito e a vossa virtude brilhem (…) caso contrário não tereis sabido morrer”. Nesta perspectiva Nietzschiana, a morte voluntária representa a derradeira afirmação da pessoa, porque ainda se encontra nas sua capacitadas cognitivas.

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